Grupo relata rotina de medo e até de restrições alimentares por conta da comida que começa a faltar. Mais de 200 pessoas já morreram no conflito.
Um grupo de atletas brasileiros presos em Cartum, capital do Sudão, tenta voltar ao país e pede ajuda ao governo brasileiro para fugir da guerra. Atletas e comissão técnica foram para o país do norte da África para jogar no clube Al-Merreikh. O grupo se trancou no prédio onde mora por conta do recente conflito armado. Eles relatam uma rotina de medo e destacam que a comida já começa a faltar.
“Essa guerra não é nossa. E cada dia que passa é mais apreensão”, disse o jogador Paulo Sérgio, que já atuou no Flamengo.
“A gente não sabe o que vem pela frente, qual é o desenrolar disso. A gente acorda, faz as refeições e passa o dia conversando. A comida começa a acabar. Estamos fracionando. A luz e a internet estão caindo. A gente tenta poupar os dados, mas o nosso medo é ficar incomunicável. A gente não sabe o que vai acontecer”, contou o jogador Paulo Sérgio.
Conflito
O número de pessoas mortas nos combates que começaram há três dias entre o Exército e um grupo paramilitar do Sudão já deixou mais de 200 pessoas mortas. Outras 1,8 mil ficaram feridas.
Pelo menos dois hospitais da capital tiveram de ser esvaziados após serem atingidos por foguetes e balas. Médicos alegam ter ficado sem bolsas de sangue e material para cuidar dos feridos.
O conflito no Sudão envolve o comandante do Exército, general Abdel Fatah al Burhan, líder de fato do país, e seu número dois, o general Mohamed Hamdan Daglo, conhecido como “Hemedti”, comandante das Forças de Apoio Rápido (FAR).
Em outubro de 2021, eles se juntaram para dar um golpe que tirou os civis do poder.
Na segunda-feira (17), Estados Unidos e Reino Unido pediram o “fim imediato” da violência no Sudão, como já o tinham feito a Liga Árabe e a União Africana. No mesmo dia, um comboio diplomático norte-americano foi alvo de tiros, informou o secretário de Estado, Antony Blinken.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, também pediu aos dois generais que “parem imediatamente com as hostilidades”, que podem ser “devastadoras para o país e toda a região”. Um pedido similar foi apresentado pelos chefes da diplomacia do G7, reunidos no Japão.
Hotel
O atacante estava disputando o Campeonato Paulista quando recebeu o convite para atuar pelo Al-Merreikh. E que outros brasileiros também viam uma oportunidade em atuar no Sudão, já que o time iria disputar competições internacionais com bastante visibilidade.
“Como o nosso treinador havia trabalhado aqui, ele deu informações. Ele disse que, no momento, era um país tranquilo para viver. Mesmo com as dificuldades do passado. Ele nos tranquilizou, apostamos e fomos”, disse o jogador.
Paulo e os outros integrantes brasileiros do grupo chegaram ao clube em janeiro. Eles passaram por uma pré-temporada no Egito. Depois disso jogaram na Argélia, Tunísia e Líbia, antes de voltar para o Sudão.
Em Cartum, jogaram duas partidas do campeonato local e ainda fizeram mais uma viagem, para a Arábia Saudita. Os problemas começaram a aparecer no retorno ao país, já este mês.
“Ao retornar, aparentemente tudo estava tranquilo. Ninguém falava nada sobre guerra. Na sexta passada eu fui para o hotel com a minha equipe, para concentrar e descansar para o próximo jogo”, contou Paulo Sérgio.
A partida estava prevista para o sábado (15), mas não aconteceu. O conflito eclodiu no país.
“No sábado de manhã, eu acordei com um barulho muito grande de bombas e de tiros. Depois eu me dei conta que o nosso hotel estava no foco de muitos tiros. Eu via caças passando, eles tentavam derrubar drones. Foi realmente assustador. Não saímos do hotel”, relatou o atacante.
Pela janela, eles viram trocas de tiros nas ruas próximas. O clima de tensão permaneceu também no domingo, pois não tinham como sair do hotel.
“Os jogadores sudaneses, os que falam inglês, recomendaram ficar lá por segurança”, disse.
Ruas desertas
Ruas desertas de Cartum, capital do Sudão, após eclosão de conflito armado no país — Foto: Arquivo pessoal/ Paulo Sérgio
Na segunda, por volta de meio-dia, o grupo decidiu voltar para o prédio onde moram em Cartum. Eles usaram um tuk-tuk na locomoção, um triciclo motorizado com cabine de transporte para passageiros.
Segundo ele, as ruas estavam completamente desertas.
“Fizemos o trajeto de tuk-tuk. O condutor falava o trajeto inteiro no telefone, suspeito que para saber se poderia passar. No prédio, eu me sinto seguro pois todos os brasileiros estão juntos”, contou Paulo.
Mesmo no prédio onde vivem, a sensação de segurança é relativa. Um segurança é responsável pelos moradores, mas eles temem que algo mais grave aconteça.
“No nosso prédio tem um segurança com um fuzil AK-47 na porta, mas, se algo mais forte acontecer, não tem como segurar”, explicou.
Itamaraty
Por meio de nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou ao g1 que está em contato com o grupo e outras 4 pessoas, totalizando um grupo de 12 brasileiros que vivem no Sudão. O governo afirma que está tentando ações de assistência conjunta com outros países, mas que depende das condições do local.
“O governo brasileiro tem mantido coordenação com outros países que também têm cidadãos em território sudanês sobre ações coordenadas de assistência, a serem eventualmente implementadas a partir do momento em que as condições de segurança permitirem”, afirmou o Itamaraty.
Saudades
Paulo Sérgio começou a carreira no Flamengo, aos 17 anos. Ao longo do tempo, ele atuou por outros clubes e já jogou em times na Coreia do Sul, em Portugal, nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita.
Ele pede ajuda para o governo brasileiro para retornar ao país. Sem segurança e com o futebol interrompido por causa do conflito, e ele não tem motivos para seguir no país.
Paulo Sérgio nasceu na comunidade Tavares Bastos, no Catete, na Zona Sul. O que ele mais deseja é reencontrar a família.
“Nossos familiares estão tensos, angustiados. Eu tenho uma filha de 6 anos. A gente não tem informações”, finalizou Paulo Sérgio.
No Brasil, a mulher do jogador, que vive no Rio de Janeiro, também se preocupa com o pai da menina.
“Estou aflita, preocupada, esperando uma resposta. Não sei muito que dizer, eu estou realmente preocupada. A gente tem uma filha pequena, a gente fica nessa situação com as mãos atadas, esperando uma ajuda do Itamaraty, do governo, para que a gente possa resgatá-los”, disse Blanca Bullos.
Ela pede uma solução urgente.
“Eu só acho que eu queria que esses trâmites fossem resolvidos no sentido de o Itamaraty resolver com a maior brevidade possível, porque a gente está tenso, a gente está sem resposta, a comida está escassa, só tem comida para mais 2 dias. O comércio está fechado, e a gente está sem saber o que fazer”, finalizou Blanca.
FONTE: G1